sexta-feira, 20 de março de 2015

As meninas

Resultado de imagem para las meninas

Breve reflexão sobre o quadro “As Meninas / Autorretrato com a Família de Felipe IV”

  Ao olhar de relance uma das maiores obras de Velásquez, Las Niñas, tem-se uma falsa sensação de entendimento do que está sendo narrado: uma criança, possivelmente uma princesa, parece ser o centro do quadro e, portanto, a pintura seria um retrato de uma cena ambientada na Côrte, na qual o enfoque é a garotinha. No entanto, logo após os primeiros instantes do pouso dos olhos na pintura, as outras figuras vão se revelando lentamente e, junto a elas, apresenta-se uma aura enigmática nos objetos retratados: a porção profunda da tela, aquele homem na escadaria, a criança pisoteando o cachorro, o casal na penumbra e, dentre muitas outras, um espelho que se assemelha a um quadro.
  E então este espelho passa a chamar muita atenção. É curioso como a moldura do espelho seria digna de adornar uma pintura, e é igualmente intrigante como esta moldura se parece com o batente da porta. Assim, todos os elementos na parede do fundo parecem telas penduradas. Além disso, há uma característica comum a toda superfície plana refletora, talvez a mais importante para o elemento-espelho nessa cena, que é a de possuir um campo visual.
 O campo visual de um espelho é a área que um observador pode enxergar um objeto por reflexão, e é determinada pelo tamanho do espelho e pela distância entre observador e superfície refletora. Tal propriedade óptica nos faz pensar: se o observador está refletido no espelho, então o ponto de vista que contempla a cena será do rei ou da rainha? Mais que isso, o fato do observador óptico estar contido no campo visual do nobre cômodo (dentro do ambiente retratado) e de ser o ponto de vista da tela coloca o fruidor/observador da tela dentro da cena. Simplesmente pelo fato de estar dentro do campo visual.
  Logo, quem observa a tela está também nos olhos do Rei ou da Rainha, pois é como se, ao observar o quadro, nós víssemos através dos olhos destes nobres, estes que, na pintura, projetam-se no espelho e constituem, na cena, uma presença estranha, onipresente, espiã e vigilante e que, por ser somente reflexo, tem algo de fantasmagórico e espectral. Além do espelho refletir os modelos que Velázquez, possivelmente, pinta, ele se encontra em uma posição mais central do que a da pequena Infanta Margeritha de Áustria. Tem-se a sensação, inclusive, de que o espelho ocupa uma região próxima ao ponto de fuga da tela. Com uma intrigante composição, Velázquez consegue realizar um retrato (dos Rei e Rainha da Espanha) e um autorretrato simultaneamente. Talvez acrescente-se a estes dois um outro retrato, o de Margeritha, pois também se encontra em uma posição comum nos retratos: a cabeça ligeiramente virada e o corpo voltado para frente, apenas tendendo ao lado direito.
   Por fim, são tantas as maneiras de enxergar esta pintura, que, mesmo cumprindo rigorosamente o princípio da perspectiva, a obra não sugere algo hermético, de sentido ou visualidade cerrado em si próprio, mas sim uma sugestão de abertura e probabilidade variável de significados.