quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Blougo

Eu parei de postar no presente blog porque eu queria ver qual era a onda do wordpress (e também porque eu comecei esse blog com 11/12 anos), então eu fiz o tal wordpress https://criptalia.wordpress.com/. Não que alguém leia este que agora se chama ~tem mais cimento do que tijolo~ até eu me esqueci dele (esqueci a senha inclusive). Risos. Na real, tampouco o Criptalia é lido. Na verdade, blog é algo que a gente tem mais para nós mesmos, e fim. Enfim, no criptocosmo eu posto desimportâncias do tipo:

[post-it pot-pourri] não tenho certeza se em mim sintetizo o espírito do meu próprio tempo
não sei o que vem a ser isso, de fato. não estou certa da normalidade das sensações "vocês também sentem x quando y?"[gosto stranho na raiz da língua]. há dúvida sob minhas unhas. escombro escarpado. eu estou (ou estamos?) a todo momento buscando muletas nas retinas alheias. publicamente. a fotografia sempre embaçada (prazo de validade mecânico talvez a paisagem é escura demais talvez) nódulos grumícos sob a carne do esôfago. epitélio hemisférico apoteose antípoda, isso, antípoda em constante devir. muta-cionada. transgênica. a nicotina se liga às bases nitrogenadas do DNA. eu seria boa médica. O futuro é todo trêmulo e gosmento feito gelatina. Você já ouviu falar da cirurgia para epilepsia que corta o corpo caloso? [calosotomia completa] . cortar a comunicação do cérebro com ele próprio. uma cabeça com duas cabeças.  então onde é a morada do espírito? há no meu cérebro um outro alguém, com outras vontades? tenho eu sufocado a potência desse outro? vivo eu ao lado de um fantasma, nessa casa geminada coberta de ossos?



DO IT YOURSELF: FREEDOM TERRITORY (1968)






A obra, como se pode constatar vendo a imagem acima, é composta unicamente de fitas adesivas brancas coladas no chão, formando um grid retangular (posicionado de forma que não fique ortogonal a nenhuma das paredes do recinto em que se encontra). Fora do território delimitado, pode-se ver o que seria o nome da obra, e que, na realidade, atua como uma legenda, um elemento dêitico, uma definição de sentido para o próprio espaço físico demarcado. Na foto acima se destacam três objetos da cor verde, aparentemente esféricos, postos sobre os quadros do grid. Essas três pedras constituem outra obra de Antonio Dias, chamada “To the Police”, também de 1968. Vide que os “seres do mundo tridimensional” que povoam o grid são sempre substituídos/substituíveis a cada “re-ocorrência” de Do It Yourself, irei abordar com mais atenção, no presente texto, a estrutura retangular feita de fitas que é a obra em si.


Não há exatamente um motivo artístico inserido na obra, mas sim uma  visualidade herdada da cartografia, a apropriação de uma linguagem técnica geográfica. Assim, uma análise iconográfica se resume a dissecação dos únicos e principais recursos desta obra: as palavras e a malha geométrica, ambos sendo constituídos do mesmo material, a fita adesiva, a qual, ironicamente, compõe o arsenal de equipamentos que munem museus e galerias para impedir o público de chegar muito perto das obras de arte. Ao contrário de objetos artísticos intocáveis e protegidos pela preocupação com conservação e pelas muralhas de seguro, a obra Território-liberdade se deixa adentrar pelo público, ela é essencialmente bidimensional, mas projeta-se para fora de seu universo linear quando é atravessada por elementos tridimensionais. Só transcende a si mesma quando é transpassada por elementos que inicialmente não são ela própria, mas que a ressignificam. Assim, todo aquele sistema gerado pelo grid dá outro sentido ao espaço (temos que, ainda assim, indagar: as pessoas se sentem mesmo a vontade com essa possibilidade? Quais pessoas se sentem a vontade? Quais pessoas se apropriam do discurso da obra? Quem tem essa autoconfiança?).

A alegoria do grid é a sua própria potência política de discutir limites, leis, significados, fronteiras. A utilização desse recurso cartográfico denota a criação de um território no qual as leis e normas do mundo externo parecem não se aplicar. O motivo aqui manifestado, portanto, deve ser interpretado em relação ao seu espaço-tempo particular, o grid está inserido em uma composição diferente, por exemplo, da abundante orquestra pictórica de quadros renascentistas, contudo, não deixa de ter uma composição (por exemplo: a proporção e o fato de sua malha retangular não ser ortogonal às estruturas do recinto em que se insere). Eu ouso dizer que sua composição seja o ambiente em si, a própria realidade, pois o grid, além de possuir uma composição própria, gera uma (por dialogar com o entorno). Temos, enquanto fruidores, a possibilidade não só de olhar a obra, mas de adentrá-la, compô-la e, por fim, sê-la, fazer parte de um lugar no qual o mundo convencional é enigmaticamente suspenso, tornar-se membro de uma Embaixada de Lugar Nenhum. Existe aqui um terreno no qual representação da realidade e a própria realidade se misturam, essa característica evoca fortemente o texto “Do Rigor na Ciência”, de Jorge Luís Borges:

“Sobre o Rigor na Ciência…
Naquele império, a arte da cartografia alcançou tal perfeição que o mapa de uma única província ocupava uma cidade inteira, e o mapa do império uma província inteira. Com o tempo, estes mapas desmedidos não bastaram e os colégios de cartógrafos levantaram um mapa do império que tinha o tamanho do império e coincidia com ele ponto por ponto. Menos dedicadas ao estudo da cartografia, as gerações seguintes decidiram que esse dilatado mapa era inútil e não sem impiedade entregaram-no às inclemências do sol e dos invernos. Nos desertos do oeste perduram despedaçadas ruínas do mapa habitadas por animais e por mendigos; em todo o país não há outra relíquia das disciplinas geográficas. (Suárez Miranda: Viajes de Varones Prudentes, libro cuarto, capítulo XIV, Lérida, 1658.)”

A intersecção conceitual entre o grid de Território-liberdade e o mapa fantástico do texto de Suárez Miranda/Borges é a ideia de justapor realidade e representação. A arte agora é o espaço, o mapa agora é o terreno. O fruto do processo artístico de Antonio Dias é um Lugar que exige a ação do público, complementando-se com o ato dos fruidores, convidando-os a exercitarem a sua presença. O objeto artístico, aqui, é a potência dele mesmo, a potência que nasce de sua ausência visual, e o que é essa ausência? É a invisibilidade que alimenta o indeterminável, o imponderável, os mil universos possíveis que podem habitar aquele grid. A obra é uma grande lacuna, sedenta a ser preenchida! Peço atenção para isto: a produção de um artista gerou um espaço real, “frequentável”, “pisável”, e, além de tudo, reprodutível. Essa qualidade de reprodutibilidade de Território-liberdade dialoga com os Statements, de Lawrence Weiner, também de 1968, o qual dita uma série de propostas de ação e intervenções que podem ser realizadas por qualquer um que deseje. Assim como os Statements, a realização da ideia não está restrita a um só agente (artista), tampouco a um só espaço ou momento histórico.

Uma obra que contesta o espaço expositivo e a aura canônica dos museus é perfeitamente cabível em uma época na qual se discutia a “crise do museu”, reflexão proeminente nos anos 70. Além disso, a década de 60 foi a turbulenta época em que o Brillo Box de Andy Warhol coexistia com a produção de pinturas do expressionismo abstrato (declarado, no fim da década, como “encerrado” desde 1962, curiosamente). Do It Yourself: Freedom Territory dialoga com a land art de Robert Smithson, com a postura contestadora de Bárbara Kruger, é também visualmente semelhante à poesia concreta, e, além de tudo, insere-se no chamado programa ambiental da arte brasileira na década de 60. No entanto, embora seja inegavelmente fruto de seu tempo, Território-liberdade parece ser uma daquelas obras atemporais e “sempre atuais”, talvez pelo caráter de promover uma complexa relação com o público ao mesmo tempo que tende ao universalismo. O texto “Programa Ambiental” (1966), escrito por Hélio Oiticica, propõe refletir sobre a participação do público na obra a partir de uma perspectiva “ambiental”, atribuindo a obra de arte a tarefa de ser um “sinal no ambiente” capaz de gerar e potencializar vínculos. O artista passa a ser, então, um propositor de ação, alguém que lança, no espaço, uma estrutura capaz de mediar o ambiente em que se insere, justamente pelo fato de permitir que o público medie a si mesmo. Não há hierarquia, há horizontalidade.

Ademais, levando-se em consideração que o grid é um imagem pré-existente, ou seja, que foi apropriada de outros campos de conhecimento, a obra Do It Yourself dialoga, inclusive, com a noção de “transobjeto”, redigida também por Oiticica, que, em outubro de 1963, comentando sobre seu próprio trabalho, registra, no texto “Bólides”:

“a necessidade de dar à cor uma nova estrutura, de dar-lhe "corpo" levou-me às mais inesperadas consequências, assim como o desenvolvimento dos Bólides opacos [caixas pintadas] aos transparentes [com potes de vidro], onde a cor não se apresenta nas técnicas a óleo e a cola, mas no seu estado pigmentar [...]. Aí, a cuba de vidro que contém a cor poderia ser chamada de objeto pré-moldado, visto já estar pronta de antemão. O que faço ao transformá-lo numa obra não é a simples "lirificação" do objeto, ou situá-lo fora do cotidiano, mas incorporá-lo a uma idéia, fazê-lo parte da gênese da obra, tomando ele assim um caráter transcendental, visto participar de uma idéia universal sem perder a sua estrutura anterior. Daí a designação de "transobjeto" adequada à experiência.”

A transformação do grid em objeto de arte aproveita o repertório do público. É provável que os frequentadores de um espaço que tenha as marcas adesivadas no chão relacionem a obra a algo que já tenham visto, esse vínculo inicial criado com o fruidor é potencializado com as palavras “Faça você mesmo: território liberdade”. Não posso deixar de pensar, também, que esse “index” lexical ao pé da malha de adesivos remete a uma situação em que há a materialização de um texto: o emprego do discurso verbal numa arte conceitual, nesse caso, além de veicular a ideia de forma mais acessível e menos hermética, delineia um espaço impregnado de sentido, é quase como se o espaço fosse um signo vivo. Como se, ao adentrar o território-liberdade, estou me inserindo num significado.

Além disso, o grid, ao relacionar-se com o mapeamento do espaço geográfico, evoca um processo de associação por contiguidade com o mundo: a malha não se assemelha a Terra, mas indica uma ferramenta de medí-la, de representá-la. Assim, o trabalho gera uma sintaxe muito interessante, que evoca as seguintes questões: o grid é uma metonímia do mundo (sendo a parte que representa o todo)? Ou o grid é uma metáfora do mundo? (aliás, o território é pormenor ou fragmento do mundo?) De qualquer forma, o grid indica e faz referência à realidade que habita. Não é uma estrutura que busca se isolar do mundo, pelo contrário, torna-se um lugar para que se reflita sobre este mundo. Ao permanecer dentro do grid, reflito se eu mesma não poderia me aproveitar daquelas palavras permissivas e fazer o que eu bem entendesse naquele espaço. Ou seja, a obra nos faz refletir sobre poder e não poder, sobre a legislação e seus problemas morais, sobre as sanções normalizadoras da sociedade, sobre os paradoxos que a arte gera. E qual o paradoxo? Bem, teoricamente, aquela era para ser uma zona livre, contudo, se eu começasse a agir inadequadamente naquele território (ou instalasse uma arte de minha autoria no espaço), as convenções e o código moral iriam negligenciar qualquer demarcação de fita adesiva que houvesse no chão e me censurariam.


A Ficção do Espaço

“O último pedaço da Terra não reivindicado por uma nação-Estado foi devorado em 1899. O nosso século é o primeiro sem terra incógnita, sem fronteiras. Nacionalidade é o princÌpio mais importante do conceito de "governo" - nenhuma ponta de rocha no Mar do Sul pode ficar em aberto, nem um vale remoto, sequer a lua ou os planetas. Essa é a apoteose do "gangsterismo territorial". Nenhum centímetro quadrado da Terra está livre da polícia ou dos impostos... em teoria. O "mapa" é uma malha política abstrata, uma proibição gigantesca imposta pela cenoura/cacetete condicionante do Estado "Especializado", até que para a maioria de nós o mapa se torne o território - não mais a "Ilha da Tartaruga", mas os "Estados Unidos". E ainda assim o mapa continua sendo uma abstração, porque não pode cobrir a Terra com a precisão 1:1. Dentro das complexidades fractais da geografia atual, o mapa pode detectar apenas malhas dimensionais. Imensidões embutidas e escondidas escapam da fita métrica. O mapa não é exato, o mapa não pode ser exato. A Revolução fechou-se, mas a possibilidade do levante está aberta. Por ora, concentramos nossas forças em "irrupções" temporárias, evitando enredamentos com "soluções permanentes". O mapa está fechado, mas a zona autônoma está aberta. Metaforicamente, ela se desdobra por dentro das dimensões fractais invisíveis à cartografia do Controle. E aqui podemos apresentar o conceito de psicotopologia (e psicotopografia) como uma "ciência" alternativa àquela da pesquisa e criação de mapas e "imperialismo psíquico" do Estado. Apenas a psicotopografia é capaz de desenhar mapas da realidade em escala 1:1, porque apenas a mente humana tem a complexidade suficiente para modelar o real. Mas um mapa 1:1 não pode "controlar" seu território, porque é completamente idêntico a esse território. Ele pode ser usado apenas para sugerir ou, de certo modo, indicar através de gestos algumas características.”

Esse trecho foi retirado do livro “T.A.Z. - Zona Autônoma Temporária”, de Hakim Bey (pseudônimo de Peter Lamborn Wilson), publicado em 1991. No livro, Bey discute a sociedade técnico-científica, a hegemonia do discurso imperialista, o domínio do território pelas nações-Estado e os veículos da informação, sempre adotando uma postura combativa frente o domínio de sistemas “oficiais”. Essa postura indica também uma certa ressaca '"pós-histórica"', a náusea frente às narrativas protagonistas, atitude que vai de encontro a ideia de que é preciso sim refutar às “oficialidades”, inclusive aquelas que nos recusamos a descartar por, ironicamente, considera-las modelos de quebra de paradigma, modelos canônicos e dogmáticos de ruptura (curioso) que almejamos reproduzir.

A argumentação de que há uma psicotopologia capaz de se aproveitar das brechas das estruturas hegemônicas para abrigar tudo aquilo que pode vir a destruir as “oficialidades” me remete à obra Do It Yourself: Freedom Territory, devido ao fato dessa obra não só debater as relações de poder dentro e fora da arte, como também literalmente promove um espaço físico que é em si uma brecha. A malha 1:1 de Território-liberdade não pressupõe o controle do território, mas sim a criação deste, e, com isso, traz a ideia do espaço como um campo de invenção, aproximando a ficção da realidade e nos forçando a pensar: por que as fronteiras entre os países não são também ficção?





___________________Bibliografia
MOTTA, Gustavo de Moura Valença. No fio da navalha - diagramas da arte brasileira: do programa ambiental à economia do modelo. 2011. Dissertação (Mestrado em Teoria, Ensino e Aprendizagem) - Escola de Comunicações e Artes, Universidad de São Paulo, São Paulo, 2011. doi:10.11606/D.27.2011.tde-13032013-143600. Acesso em: 2017-06-01.
BORGES, Jorge Luís. “Sobre o Rigor na Ciência”, in História Universal da Infâmia, trad. de José Bento, Assírio e Alvim,1982, 117.

DANTO, Arthur C. Após o Fim da Arte: A Arte Contemporânea e os Limites da História. São Paulo: Odysseus Editora, 2006.

BELTING, Hans. O Fim da História da Arte - Uma revisão dez anos depois. São Paulo: Cosac Naify, 2006.

LOEB, Angela Varela. Os Bólides do programa ambiental de Hélio Oiticica. ARS (São Paulo),  São Paulo ,  v. 9, n. 17, p. 48-77,    2011 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-53202011000100004&lng=en&nrm=iso>. access on  02  June  2017.  http://dx.doi.org/10.1590/S1678-53202011000100004.

ANTONIO Dias. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2017. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa45/antonio-dias>. Acesso em: 04 de Jun. 2017. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7

BEY, Hakim. T.A.Z.: Zona Autônoma Temporária. São Paulo: Conrad, 2011.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão; tradução por Raquel Ramalhete. 34.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.





sexta-feira, 20 de março de 2015

As meninas

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Breve reflexão sobre o quadro “As Meninas / Autorretrato com a Família de Felipe IV”

  Ao olhar de relance uma das maiores obras de Velásquez, Las Niñas, tem-se uma falsa sensação de entendimento do que está sendo narrado: uma criança, possivelmente uma princesa, parece ser o centro do quadro e, portanto, a pintura seria um retrato de uma cena ambientada na Côrte, na qual o enfoque é a garotinha. No entanto, logo após os primeiros instantes do pouso dos olhos na pintura, as outras figuras vão se revelando lentamente e, junto a elas, apresenta-se uma aura enigmática nos objetos retratados: a porção profunda da tela, aquele homem na escadaria, a criança pisoteando o cachorro, o casal na penumbra e, dentre muitas outras, um espelho que se assemelha a um quadro.
  E então este espelho passa a chamar muita atenção. É curioso como a moldura do espelho seria digna de adornar uma pintura, e é igualmente intrigante como esta moldura se parece com o batente da porta. Assim, todos os elementos na parede do fundo parecem telas penduradas. Além disso, há uma característica comum a toda superfície plana refletora, talvez a mais importante para o elemento-espelho nessa cena, que é a de possuir um campo visual.
 O campo visual de um espelho é a área que um observador pode enxergar um objeto por reflexão, e é determinada pelo tamanho do espelho e pela distância entre observador e superfície refletora. Tal propriedade óptica nos faz pensar: se o observador está refletido no espelho, então o ponto de vista que contempla a cena será do rei ou da rainha? Mais que isso, o fato do observador óptico estar contido no campo visual do nobre cômodo (dentro do ambiente retratado) e de ser o ponto de vista da tela coloca o fruidor/observador da tela dentro da cena. Simplesmente pelo fato de estar dentro do campo visual.
  Logo, quem observa a tela está também nos olhos do Rei ou da Rainha, pois é como se, ao observar o quadro, nós víssemos através dos olhos destes nobres, estes que, na pintura, projetam-se no espelho e constituem, na cena, uma presença estranha, onipresente, espiã e vigilante e que, por ser somente reflexo, tem algo de fantasmagórico e espectral. Além do espelho refletir os modelos que Velázquez, possivelmente, pinta, ele se encontra em uma posição mais central do que a da pequena Infanta Margeritha de Áustria. Tem-se a sensação, inclusive, de que o espelho ocupa uma região próxima ao ponto de fuga da tela. Com uma intrigante composição, Velázquez consegue realizar um retrato (dos Rei e Rainha da Espanha) e um autorretrato simultaneamente. Talvez acrescente-se a estes dois um outro retrato, o de Margeritha, pois também se encontra em uma posição comum nos retratos: a cabeça ligeiramente virada e o corpo voltado para frente, apenas tendendo ao lado direito.
   Por fim, são tantas as maneiras de enxergar esta pintura, que, mesmo cumprindo rigorosamente o princípio da perspectiva, a obra não sugere algo hermético, de sentido ou visualidade cerrado em si próprio, mas sim uma sugestão de abertura e probabilidade variável de significados.


sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Cidade de Areia

                                         




    Por vezes tenho a impressão de que São Paulo (e qualquer outra cidade em constante 'crescimento') é comparável a um ermo de dunas de areia, sempre em irrefreável mutação, ao alento do curso dos ventos que montam e desmontam morros arenosos. Se no deserto é a vontade dos ventos que desenha os espaços, em São Paulo é a gentrificação.
     Como já devo ter falado aqui, moro na zona central de São Paulo, sempre morei por aqui e tenho um amor muito grande pela região, contudo, ando me estressando bastante com sucessivas construções, destas que erguem edifícios-hidra-de-lerna, e dão aos meus dias um novo descolorido e uma magnífica trilha sonora: uma sinfonia estridente de desafinadas retroescavadeiras e motoniveladoras em contralto.
      Erguem-se, então, imponentes prédios empresariais e desconstroem-se memórias, histórias e lembranças, a tudo isso nós damos um nome genérico: gentrificação, processo que pode ser chamado também de "desenvolvimento", mas tal termo é tão falho que não vale a pena usá-lo. "Gentrification" tem raiz no léxico "gentry", que significa "well-bred people", ou seja, gente bem nascida, aristocracia ou classe dominante. Tem origem no francês antigo "genterie". Etimologicamente, portanto, gentrificação é o processo que torna algo nobre, reservado para classes dominantes e bem nascidas (ou administrado por elas).




   É o enobrecimento de uma região através de novos comércios e edifícios, fazendo também com que a população de baixa renda deixe o local. Embora não seja novidade, visto que o termo já tem significância de problematização sociológica há uns cinquenta anos, tal processo vem sendo analisado com mais frequência recentemente, em função da galopante modernização e globalização das megacidades.
   A valorização gradual de uma região metropolitana resulta na potencialização dos fatores atrativos da área urbana, atraindo empresas, aumentando investimentos e, claro, seduzindo trabalhadores pelas possibilidades de prosperar com vagas de emprego e relativa qualidade de vida. É um efeito em cadeia, e paradoxalmente proporcional, vide que ao aumentar a valorização e o investimento, todos os outros efeitos subsequentes irão também aumentar: mais globalizada, mais desenvolvida, mais populosa, e, no caso brasileiro, por ter uma 'evolução' excludente, mais desigual.
   Acontece que em São Paulo o tal investimento é empresarial, e, majoritariamente, de companhias privadas, fazendo com que a dinâmica de súbitas valorizações territoriais e especulação imobiliária sejam as linhas do nosso planejamento urbano, este sendo de nula eficiência, cheio de contrassensos e rabos presos: diversos partidos, para financiar propaganda política, fazem acordo com construtoras e empresas privadas, à exemplo dos infelizes casos Delta, Siemens e Alstom.




 
   Empresas como Itaú Unibanco S.A., Construtora OAS S.A., Casa Sol Materiais para Construção de Marília LTDA, Mtm Construções, Dalcar Veículos LTDA e Caue Veículos LTDA financiam, por exemplo, o podre PSDB (embora financiamento privado seja comum a maioria dos partidos, exemplo: o Itaú parece financiar quase todos). Empresas relacionadas à construção, automóveis, fármacos e assistência médica são as que mais aparecem como doadoras a candidatos e comitês partidários (fonte: às claras). Não é tão difícil deduzir sobre corrupção/lavagem de dinheiro, o nosso planejamento urbano é um estorvo, a mobilidade e o transporte público são terríveis, a indústria farmacêutica é uma putaria e nem é preciso comentar sobre o quesito medicina. Gentrificação, logo, é um carro dirigido por várias construtoras privadas que modificam o espaço urbano ao seu bem entender. Claro, num mundo globalizado e capitalista, ter auxílio de corporações privadas é necessário para qualquer partido, e poderia ser algo que beneficiasse todos, no entanto, a realidade não é esta (nunca, obviamente). A vontade do povo não é levada em conta e, no fim das contas, o que prevalece é o desejo da "gente genterie".
    Em significado e interpretação evidente, gentrification é a vontade de uma minoria endinheirada suprimindo o espaço urbano. Poeticamente, é uma amnésia, a cidade como organismo pulsante perde insígnias do passado, esquece-se do que foi, transformando-se em rígidas linhas de contratos empresariais. Os espaços ganham a pompa e o glamour dos grandes edifícios vidrados e moradias de alto nível, mas perdem todo o brilho e delicadeza da história (e não me refiro à história colonizadora, por exemplo, que ergueu as construções mais antigas que temos, mas ao vínculo que pessoas desenvolvem com suas casas, refiro-me à terra, a espaços). Os antigos habitantes são marginalizados, as casas são apagadas e as lembranças, demolidas.

                                        
 
    Gentrificação foi um dos temas discutidos na X Bienal de Arquitetura, em 2013 (juntamente com a questão da mobilidade), aparece no documentário sobre 156 Rivington Street (ABC No Rio), lampeja na singeleza da animação "Up - Altas Aventuras" e apresenta-se como um questionamento na recente exposição de Bel Falleiros, "Sobre Ruínas, Memórias e Monumentos", à mostra na Caixa Cultural São Paulo até o dia 16 de Fevereiro.
 
                                   
                                              
   
Acima: "figueira das lágrimas", de Bel Falleiros.
Abaixo: "marco zero"
             



 "Memórias nos postais:

Esses postais recontam algumas das muitas e confusas memórias envolvendo a cidade de São Paulo. Tendo como base fotos antigas, além de alguns relatos e fatos históricos, uma camada de papel vegetal quadriculado e caneta nanquim foram usados para recontar essas memórias, através de desenhos e pequenas frases". 


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terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Sociedade dos Poetas Bêbados - Drinks Literários

Abacagim (Pim) - Lolita




"Lolita, light of my life, fire of my loins. My sin, my soul. Lo-lee-ta: the tip of the tongue taking a trip of three steps down the palate to tap, at three, on the teeth. Lo. Lee. Ta. She was Lo, plain Lo, in the morning, standing four feet ten in one sock. She was Lola in slacks. She was Dolly at school. She was Dolores on the dotted line. But in my arms she was always Lolita."


     Bebida predileta de Edgar H. Humbert, personagem do romance "Lolita" de Vladimir Nabokov, o drink mistura suco de abacaxi com gim, e foi carinhosamente apelidado de "Abacagim" (ou Pim, em inglês) pelo personagem. É o fiel ombro de Humbert em momentos de tensão (e também de comemoração).
      Lolita foi publicado em 1955, em Paris, e está entre os livros mais polêmicos do século XX, conta a história do melancólico Humbert, homem de meia idade e professor de literatura e poesia francesa, que, ao se mudar da velha Europa para viver nos EUA, depara-se com uma série de desencontros fortuitos que o fazem se hospedar numa pensão em Ramsdale, New Hampshire. Permanecer na hospedagem não era seu plano inicial, mas após ver Dolores Haze, filha da dona da casa, Charlotte (com quem se casaria apenas para se aproximar da garota), decide ficar na pequena cidade.
      Humbert, homem amargo, pedófilo e sensível como um poeta (isso só não é uma antítese para nos lembrarmos de que criatividade e inteligência não são pré-requisito pra uma pessoa ser boa), fica obcecado por Lo, e, após a morte de Charlotte, põe em prática um plano que já vinha arquitetando desde o momento em que viu Lolita: sequestrá-la e por o pé na estrada (e no acelerador), cruzando vários estados, totalmente sem rumo.
     É justamente no dia da morte de sua esposa que Humbert prepara este drink tão singular. Como estou me esforçando para não dar muitos spoilers, vocês vão ter de ler o livro para saber se a bebida foi usada para celebrar ou desviar assuntos incriminadores! Bem, aí vai a receita deste clássico:

Ingredientes:


Suco de Abacaxi (200 ml, um copo - de preferência suco natural)
Gim
Gelo

Modo de Preparo:

-Em um recipiente, coloque os 200 ml de suco de abacaxi, acrescente uma dose de gim e duas pedras de gelo, ou mais, se preferir. Beba bem gelado, ideal para dias quentes. Quem é formiga, pode adicionar leite condensado, acrescentando gim à gosto. Lembrando, gim tem teor alcoólico superior ao do whisky, então, bebam com moderação.
 

Ice Cream Soda

                       

    Bem, esta eu posso beber ~legalmente~, haha! Também das páginas de Lolita, o Ice Cream Soda, bebida não-alcoólica de alto teor calórico, é de preparo fácil e rápido. Aparece na história em um Drugstore de Beardsley, pedido por Dolores, após fugir de casa. Aí vai uma bomba calórica (e muito gostosa):

Tempo de preparo: aproximadamente 15 min.
Rende: 4 porções bem grandes

Ingredientes 

3/4 xícara de xarope de chocolate (podem colocar extra, como a personagem, mas fica muitíssimo doce!)
8 colheres de sorvete de chocolate
4 xícaras de água gaseificada (gelada)
1 xícara de leite
Chantilly é opcional

Modo de Preparo:

Coloque 3 colheres de xarope de chocolate em cada um dos quatro copos de 500 ml. Adicione 1/4 de xícara de leite e 1 xícara de água gaseificada para cada e mexa até espumar! Adicione duas colheres de sorvete para cada copo. Cubra com chantilly, se desejar. E, caso queira, coloque uma cereja no topo!

Informações: Uma porção de Ice Cream Soda contém: 476 calorias, 17 g de gordura (11 g de gordura saturada), 53 mg de colesterol, 159 mg de sódio, 76 g de carboidrato, 3 g de fibra, 8 g de proteína.

Mint Julep - O Grande Gatsby

                                

    Recente sucesso nos cinemas, O Grande Gatsby é um romance escrito por F. Scott Fitzgerald, o mesmo autor de "O Curioso Caso de Benjamin Button". Publicado em 1925, o livro data os tempos de desordem da Primeira Guerra Mundial e o período que a sucede.
    Além de uma história de amor, é uma crítica ao American Dream, atribuindo decadência moral, consecutivas decepções, sonhos perdidos e desilusões amorosas (e bota desilusão nisso) aos anos de glória e vacas gordas que sucederam a guerra. Cria-se, então, um contraste: o exterior brilhante, festivo e glamouroso, contrapondo-se com a realidade infeliz, amarga e solitária (à nível emocional) e a hipocrisia e atrofiamento da moral (à nível global).
    É narrado pelo jovem Nick Carraway, que conta sobre Jay Gatsby, o misterioso milionário, apaixonado por Daisy (prima de Nick). A história de amor é puro desencontro: antes da guerra, James Gatz, vindo de uma família pobre da zona agrícola da Dakota do Norte, apaixona-se por Daisy Fay, contudo, como oficial da marinha em tempos de guerra, Jay tem de partir. Quando retorna da guerra, a sua amada havia se casado com outro homem, o milionário e insensível Tom Buchanan.
   Bom, a receita do drink predileto de Jay Gatsby é esta aqui:

Ingredientes:

1/2 colher de chá de açúcar
1 colher de sopa de água gaseificada
1 dose de whisky bourbon (Jack Daniels)
3 cubos de gelo esmagados
3 ramos de menta

Modo de Preparo

Pique as folhinhas de menta, bem fininhas. Ponha-as no copo e esmague-as (caso não tenha pilão de vidro use a criatividade). Dissolva açúcar na água gaseificada e acrescente o gelo picado, coloque a mistura no copo, depois despeje a dose de whisky.

Hidromel (Mead) - Das tavernas e batalhas

       

 
     Uh! Este vale apenas a citação, pois é bem difícil de fazer! haha! O hidromel é o famoso drink dos vikings, aparece diversas vezes em livros de Bernard Cornwell (autor de séries como As Crônicas de Artur e A Busca do Graal), J.R.R Tolkien, George R. R. Martin (quem nunca se revoltou com um querido personagem morto por ele?!), C. S. Lewis e J. K. Rowling.
   Esta bebida é feita à partir da fermentação do mel e da água usando leveduras, acrescenta-se também pimenta e uvas em algumas receitas. É chamada de vinho de mel, e é uma das bebidas mais antigas que estão por aí. Foi muito apreciada em civilizações "de guerra", beligerantes, em tempos de muita batalha e sanguinolência. O hidromel enchia os copos nos brindes dos romanos, gregos, celtas, saxões e vikings.
   Diz-se que o termo "lua de mel" provém da existência dessa deliciosa bebida, pois após as bodas, os casais deveriam beber hidromel durante o primeiro ciclo lunar para que nascesse um filho do sexo masculino e valente. Para os celtas é a bebida da imortalidade, a bebida dos deuses.
   Para quem quiser se aventurar a tentar preparar esta gloriosa bebida, aí vai uma ajudinha. Ou comprem um pronto!

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Sessão Sofá de Cinema - À Flor da Alma que Dança

     
   

   Soleá, sol quente e verão! Aproveitando o clima cálido da estação, trago algumas indicações de filmes com a temperatura deste Fevereiro, afinal, assistir a filmes não é um hábito reservado apenas ao inverno. A sessão de hoje envolve dança, paixão e drama, e, claro, muita música. Prepare a limonada gelada, ou uma Granita, que os filmes são bons! Quem gosta de dança então, vai adorar.


Bodas de Sangue (1981)



         
                        

   O filme, dirigido por Carlos Saura, é inspirado na peça do poeta e dramaturgo espanhol Federíco García Lorca, e conta a história de um casamento que está por vir, entre a Noiva e o Noivo (os personagens não têm nome próprio, exceto Leonardo).
    Com um histórico familiar trágico, os entes do Noivo (seu pai e seu irmão) foram mortos por membros da família Félix, alvo do ódio da Mãe do Noivo, uma personagem melancólica e tempestuosa, sempre a comparar homens a flores e amaldiçoar as navalhas e armas de fogo por arrancar as flores de sua vida, em disputas sangrentas por terra.
    A Noiva, pouco conhecida na cidade, reside com o pai numa cueva distante do povoado, próxima ao deserto (à dez léguas da casa mais próxima), pouco se sabe sobre a moça, apenas o fato de que já fora noiva uma vez, aos quinze anos, e ia se casar com Leonardo, da família Félix. Porém o casamento não sucede e Leonardo casa-se com outra mulher tempos depois.
   No dia das bodas do Noivo e da Noiva, o primeiro convidado, Leonardo, chega bem antes de todos os outros, e, ao ver sua antiga namorada, relembra-a do amor que sentiam, declarando-se. Minutos antes da quadrilha, os dois amantes fogem pelo bosque e pelo deserto espanhol da Andaluzia, uma trama de perseguições se desenlaça, com membros da família do Noivo, da Noiva e de Leonardo no encalço do casal fugitivo.
    "Bodas de Sangue" faz parte de uma trilogia de Lorca completada pelos títulos "Yerma" e "A Casa de Bernarda Alba", já na cinematografia, a filmagem desta obra compõe uma trilogia de Saura, formada por Carmen (1983) e Amor Bruxo (1986). Os filmes de Saura têm o traço singular e interessante de lembrarem ensaios de teatro, desenrolando-se em ambientes fechados que dão espaço a belíssimos espetáculos de dança e atuação, acompanhados por violas flamencas. No longa "Carmen", a trilha (filmada, pois os músicos permanecem em cena) conta com a participação do lendário Paco de Lucia.
    E mais! Um número considerável das filmagens de Carlos Saura está disponível no Youtube.

 

Chorinho:

   Ia comentar apenas sobre um desta trilogia de Saura, mas vale acrescentar algo sobre Carmen (1983), o filme segue a linha de Bodas de Sangue, mas com "mais cara de filme", penso eu! Quem curtiu Cisne Negro, de Aronofsky, vai lembrar um pouquinho da história.
   Um grupo de dança irá representar nos palcos o clássico Carmen de Bizet, Antonio, homem de meia idade ainda muito charmoso e coreógrafo do espetáculo, apaixona-se pela jovem bailarina principal, Carmen. Quando a dançarina começa a sair com um dançarino do grupo, Antonio se corroí de ciúmes, assim como Don José, da ópera de Georges Bizet. O enredo do filme e o texto da Ópera correspondem-se diversas vezes, complementando-se. Assim, personagem e intérprete se confundem, lembrando um pouco o roteiro de Cisne Negro.
 


Tango (1998)

  


   Se Carmen "tem mais cara de filme" que Bodas de Sangre, Tango, então, bate esse ranking. Também dirigido por Carlos Saura, a película "Tango" aborda, através da dança, a ditadura militar argentina, iniciada com o golpe em 1966 e considerada uma das mais brutais ditaduras da América do Sul.
   O enredo apresenta a vida do cineasta Mário Suarez, em conflito com sua criatividade e passando por uma crise emocional, enfrentando o rompimento com sua mulher Laura, que o abandonou. Cheio de inseguranças, acaba transmitindo seu estado de espírito para o projeto em que está envolvido: a montagem de um espetáculo de tango que volte aos tempos da imigração europeia, contando a história de como a dança desembarcou em terreno sul-americano e se desenvolveu ao longo da história argentina, resultando na tão famosa arte que caracteriza o país.
    As coreografias são extremamente expressivas, transmitindo ora tensão, ora alegria. Abaixo tem um vídeo da dança dos militares em confronto com os presos políticos, remetendo às salas de tortura e ao sofrimento das vítimas da ditadura militar. A música é marcada e dramática, assim como os rígidos movimentos dos oficiais.



O filme intercala a vida do cineasta e seus conflitos com as danças de tango que contam a história da Argentina. O cenário varia do real aos elementos e truques cenográficos dos palcos de teatro.Vale muito a pena ver! De verdade! É um longa muito bem produzido e inspirador.


Pina (2011)

     Filme dirigido por Wim Wenders, é uma homenagem à história da grande bailarina e coreógrafa alemã Pina Baush, exímia diretora de danças performáticas, dando continuidade à herança vinda do dadaísmo e do impacto que este causou em expressões artísticas.
     Pina, nascida em 27 de Julho de 1940 em Solingen, Alemanha, desenvolveu coreografias que eram compostas pelo grupo como um todo, e eram baseadas na vida dos bailarinos da equipe, assim, abordando desde temas como sexualidade, gênero e identidade até, claro, sentimentos como o amor, felicidade e angústia, tudo com extrema leveza e equilíbrio.
     "Pina" traz para as telas a leveza e a maestria ímpar desta diretora de ballet, falecida em 2009, mas ressuscitada nas cenas do documentário. Por ser uma obra essencialmente visual, escrevo pouco e deixo um tira-gosto deste belíssimo filme que só vendo para compreender:


                                  


É isso aí! Boa sessão! (;


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domingo, 26 de janeiro de 2014

Bom Bordô

A bombordo há um bombardeio
Bom bordô, caravela, grande barco
Emborca-se a bordo do bravio mar
Que ciranda em rodeios
Que valsa gardênias
E a girândola flamejante em anil
Incendeia átrios ao navegar.

Nave marítima, corsária, tenta negar,
As correntes que a levam a mar, ao mar
Bordejar, estirar-se ao timão tenta
Sem tino, ó destino, a nave não se sustenta.

E bordeja, briosa, borbulha
E emborca-se nas profundezas agudas
Do amor que toma da madeira sua cor.

Mar torna-se bordô, rouge, barroco vívido
Nau pincela-se azul anil, cerúleo límpido

Milongas de Desatino

Ouve-me
Ou vê-me
Veemente, peço

Peço, pois não tenho mais nada a pedir
Despedi-me, pois, ora despeço-me
E despedaço-me, pois não esperava partir.

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Amar-te
É a Marte ir
A morte ver
E amoras colher

Daí pintar-lhe um retrato
De outro planeta
Fazer-lhe um poema
Sobre o outro lado
E enfeitar o infinito
Com frutas vermelhas


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terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Hora Zero

Há, veja no relógio, alguns grãos de instantes
É necessário fazer um minuto de luto, de zelo
Daí escrevemos um bilhete para um Eu futuro
Veja, besta, rito tolo, mas compensa.

Regresso em dez tons, ca-den-ci-an-do
Matizes de tempo vão c l a  r  e   a     n     d      o
Até o alvo da meia noite, da zero hora.
E aquele bilhete cheio de tralha em lista, comemorando
É memorando de última hora para uma hierarquia do agora.

Timbre da instituição, número do memorando
Depende da idade que está guardando
Remetente: o presente (em breve, ausente)
Destinatário, ninguém sabe, mas preenche-se sob codinome:
"Anoquevem"

Depois o memorando é esquecido nas gavetas
E - com os fógos - no abraço de outrem.