quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Dermatologicamente Testado

  
     Na região onde moro as pessoas são convictas de sua "hobofobia justificada" e ao avistarem o amontoado de trapos velhos e fétidos se aproximar, ficam, civilizadamente e em sua finesse hostil, escandalizadas.
     É, sim, aquela mesma gente que quase te atropela enquanto tentas atravessar uma rua sem semáforo. Enfim, cotidiano à parte, me refiro à camada social que se farta na R. Avanhandava e sente repulsa ao ver, através das janelas escuras de seu carro importado e onipotente, o edifício ocupado pelo MST na rua ao lado. São as pessoas da sala de jantar.
    Com o desfecho do primeiro turno destas eleições em SP saíram vários gráficos, planilhas, diagramas e mapas destacando o caráter dos votos, uma destas avaliações demográficas é um mapa que destaca as regiões e seus respectivos votos preponderantes.
     Na zona central os votos foram, em sua maioria esmagadora, canalizados para o candidato Serra e nas regiões periféricas, para Haddad. Isso é perfeitamente compreensível, eu mesma poderia fazer uma pesquisa de opinião sem proferir uma frase interrogativa, aqui na região central você vai no supermercado e é comum ouvir as conversas (que mais parecem declamações) no caixa, a vontade de esganar alguém também é recorrente.
      Bem, voltando ao enfoque, esse post é mais um desabafo, e para que entendas o porquê desta declaração irei contar-lhes o que houve hoje no...adivinha onde? Supermercado!!! Êêeee! O segundo maior ântro da pluralidade anti-ética, creio que o primeiro seja todo cenário vinculado a transportes (trânsito, metrô e afins), já o terceiro é o condomínio domiciliar, vide as bitucas de cigarro que aparecem magicamente na minha sacada.
       Nessa quarta-feira decidi ir comprar danoninho, não tinha sobremesa e eu sou doida por danone, então procurei a parte das geladeiras no mercado próximo a minha casa. Os corredores estreitos estavam um tanto lotados, e, me parece, as pessoas têm uma péssima noção de espaço, simplesmente porque elas não andam ou não pensam que outros possivelmente queiram atravessar. Ou talvez pensem, mas não se importam.
      Uma odisseia pra conquistar a querida sobremesa, levei um pisão no pé e a mulher ainda me olhou feio, mas isso tudo bem, acontece toda hora (como da vez que perdi um pedação do cadarço do all star por causa de um pisão na tentativa de sair do metrô!).
       Feliz da vida com minha compra fui ao caixa, eis que adentra no supermercado uma moça negra vestindo roupas largas e sujas, o cabelo desgrenhado e, evidentemente, não tomava banho fazia um tempo, de modo que todas as caras do recinto torceram o nariz à rigor da etiqueta, até o mais cético duvidaria da existência de feios catarros naqueles narizes empinados à la blasé.
        Houve um burburinho de incômodo, os comentários pareciam soar em uníssono "que absurdo, mas é uma pouca vergonha", "gente, que loucura", ouvi uma perua dizer (querem apostar quanto que devia ser fã da Narcisa Tamborindeguy?). Como a fila não estava pequena tive de me conter pra não dar um tapa verbal em alguém. A moça desgrenhada havia parado na entrada do mercado para procurar algo em sua pochete, achou um punhado de moedas e adentrou num dos corredores, eis que chega um segurança e a impede de entrar, começa uma discussão, e ela diz audivelmente (vulgo: berro) "Ei, eu tenho dinheiro! Eu só quero comprar...", o segurança a interrompe, diz que ela não pode entrar, aparece o gerente e explica sobre as condições do mercado e pede que ela se retire devido ao incômodo causado nos outros consumidores, fica parado olhando-a, como se obrigasse sua saída por telecinese.
      Ela tenta entrar e repete que quer comprar leite e arroz, o gerente fala algo inaudível (a distância era considerável) e o segurança se opõe impedindo que a moça prossiga, um homem que estava próximo à cena começou a discutir com os dois, ouvi ele dizer algo como "ela tem direito de entrar para comprar o que quiser e não está perturbando ninguém" e "isso é absurdo, eu devia processar vocês", desarmado, o segurança cede, e o gerente, contrariado, permite que ela entre, percebi que ela estava quase chorando, e foi essa razão do post inteiro.
       Humilhar daquela maneira um igual é de uma violência extrema, minimizar o caráter sensível e pensante do outro a ponto deste se tornar desprezível não é algo que deveria fazer parte do cotidiano. Ser desumano, enfim, é desumanizar a natureza do outrem, e isso é completamente inaceitável. E não é meramente o ato de discriminar e anular a sensibilidade do outro, é fazer isso baseado em aspectos físicos e, direta ou indiretamente, financeiros. Na fila do caixa ainda restavam dois a minha frente, e, como esperado, ouvi as dondocas dizendo "que absurdo deixar entrar gente como essa!"
       Virei-me e falei "Bem, não é absurdo nenhum, inaceitável é vocês fazerem disso um absurdo", olharam-me com cara de "ai que loucura" e uma idosa aperuada falou, com um sorriso amarelo, "ah, meu bem, você é muito novinha". Não compreendi o comentário e também nem quis discutir, paguei o danoninho e fui embora. Chegando no elevador do Terceiro Ântro de Absurdos Éticos entram uma senhora, sua filha adulta e a discussão sobre um assalto ocorrido na casa de um parente. Como se não bastasse o ocorrido no mercado, enquanto o elevador subia vi que a última ostentava um adesivo na bolsa, o simpático adesivo azul e amarelo do PSDB. Num eflúvio de indignação o elevador para no nove e me impede de falar umas verdades, infelizmente.
        E por isso digo que a natureza daquele mapa é compreensível, não por conformismo, mas é porque é inegável que a região central é, majoritariamente, povoada por seres umbigóides, que acham um absurdo uma greve de metroviários estancando as linhas, mas não se importam se a causa do lapso for devido irresponsabilidade estadual, detestam os espaços públicos, mas não movem um dedo pra melhorá-lo ou sequer questionar sobre as causas que levaram a tal degradação, é um povo que só quer saber de shoppings, e não me importa se isso soa clichê ou não, é a pura e feia verdade.
         É a camada social que deveria desempenhar, diante todos seus frufrus diplominhas e acesso a educação particular, o papel de massa pensante, questionadora, mobilizada e politizada, mas nada, não é nada disso, é um povo, em sua maioria, mesmerizado e violento. Pessoas de gordas almas vazias, de egos que reclamam e exigem seu cânone espaço, mas sem nenhum interesse intelectual ou pensamento crítico.
         São os odiadores da hoi polloi, adoradores de políticas de biombo (vide revitalização do centro de SP, ou qualquer surgimento de biombos e placas de obra no período de eleição), os exímios saudosistas da ditadura, reacionários e uma legião de civis que só irão se dar conta do mundo que os cerca se forem dermatologicamente testados ou se o tio for assaltado, porque não existe o ideal de público na mente destes, existe o "meu", e o "nosso" é restrito apenas à família.       
        Não obstante, nem assim enxergariam a realidade, pois se fossem expostos à uma situação de violência, por exemplo, o assalto, iriam relacionar todos os males do mundo com a realidade suburbana, marginalizada, pobre e por eles excluída. Porque, ora, imagine, somos civilizados, "civilizadérrimos"! Não existe violência nas zonas providas de shoppings e starbucks! Bem, a não ser quando uma pé-rapada entra no supermercado, porque aí:   "Ai, que loucura!" 
        

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